Memórias apagadas

Reportagem Diário da Manhã – 25 e 26 de abril de 2015

O Alzheimer é uma doença que afeta parte do cérebro e “apaga” acontecimentos recentes. Segundo estimativas, existem no mundo cerca de trinta e seis milhões de pessoas com a doença. No Brasil, há cerca de um milhão e duzentos mil casos, e a maior parte deles, ainda sem diagnóstico

Casado, pai de sete filhos e avô de dezesseis netos, seu Adão deu os primeiros indícios de que estava com Alzheimer, aos 69 anos. Até então, tudo estava como sempre, dentro de sua normalidade. O aposentado acordava cedo, “fazia fogo” em seu fogão à lenha e preparava o chimarrão de todo dia. Após algumas cuias de sua principal bebida, ele saia caminhar pelas ruas, visitar amigos e familiares. A vida pacata e tranquila de seu Adão mudou, quando em um dia qualquer de sua rotina, o trajeto o qual fazia sempre, já não lhe era mais conhecido. Como se ele nunca tivesse passado por ali, aquela rua foi simplesmente apagada de sua memória, aparentemente, sem motivo algum. No entanto, não foi apenas a rua que se perdeu em algum lugar da memória de seu Adão, os netos já não lhe eram mais conhecidos, dos sete filhos, apenas uma ele se recordava brevemente e sua infância, vivida há anos atrás, naquele momento, fazia parte de seu presente.

Preocupados, os familiares buscaram médicos, os quais, alguns exames e consultas depois, diagnosticaram seu Adão com Alzheimer. Sem conhecer muito a doença e menos ainda sem saber como lidar com a situação, dona Maria, sua esposa, tinha apenas uma certeza: passaria a cuidar de seu marido como se ele fosse novamente uma criança, convivendo com histórias do passado e com a necessidade de lhe ensinar tudo, inclusive a se alimentar. Foram dias difíceis para a família. Seu Adão já não caminhava mais, usava fraldas, e aos poucos, sua vida foi se apagando, assim como suas memórias, que um dia já lhe trouxeram tristezas, mas também alegrias. Adão José de Souza, lutou com sua família contra o Alzheimer, mas sua luta não foi o bastante e aos 72 anos, as únicas memórias que restaram e ficarão para sempre, são as de um homem simples e batalhador, o qual entrou para as estatísticas de um mal que atinge cerca de um milhão e duzentos mil brasileiros.

O Alzheimer, é como se fosse um HD de computador, que ao queimar, “apaga” os acontecimentos mais recentes, só que no ser humano, os acontecimentos “apagados” estão no cérebro. “A doença afeta principalmente uma parte do cérebro relacionado com a memória recente, o paciente começa esquecendo coisas mais atuais, que aconteceram nos últimos dias, sem comprometer a memória antiga”, explica o geriatra, Dr. Daniel Marcolin. Com o passar dos meses e anos, a doença começa a comprometer outras funções, como dificuldade em reconhecer pessoas, identificar objetos, começa a ter dificuldades em caminhar, fazer raciocínios simples e, no estágio mais grave da doença, a pessoas não consegue mais engolir alimentos e líquidos, terminando a vida praticamente deitado.

Cerca de 10% das pessoas com mais de 65 anos e 25% com mais de 85 anos podem apresentar algum sintoma dessa enfermidade e são inúmeros os casos que evoluem para demência. “O Alzheimer começa a afetar os idosos entre 60 e 70 anos, sendo mais grave quando atinge a pessoa mais nova do que naquele idoso que tiver a doença aos 85 anos”, destaca Marcolin. Feito o diagnóstico, o tempo médio de sobrevida varia de oito a dez anos e apesar de todos os avanços na medicina, a doença de Alzheimer ainda não tem cura. “O que nós podemos fazer é retardar a progressão da doença, através de remédios que irão inibir alguns efeitos, que poderiam chegar mais cedo caso o paciente não fosse medicado. A ideia é fazer com que essa pessoa possa manter as atividades básicas no decorrer da doença”, explica o geriatra, que faz um alerta. “É preciso estar atento ao histórico familiar, já que o Alzheimer tem influência genética”, frisa.

 

– Estágio I (forma inicial): alterações na memória, personalidade e habilidades espaciais e visuais;
– Estágio II (forma moderada): dificuldade para falar, realizar tarefas simples e coordenar movimentos; agitação e insônia;
– Estágio III ( forma grave) – resistência à execução de tarefas diárias, incontinência urinária e fecal, dificuldade para comer, deficiência motora progressiva;
– Estágio IV (terminal) – restrição ao leito, mutismo, dor à deglutição, infecções intercorrentes.

A melhor maneira para conviver com a doença e tentar retardar o seu avanço, é manter a funcionalidade, através de exercícios físicos, atividades de jogos que ajudam na memória, estimular a leitura, sempre com a supervisão de uma pessoa. “A gente lembra que essas atividades devem ocorrer enquanto o paciente tem capacidade de executá-las, já que nas fases finais, ele acaba tendo uma vida vegetativa”, salienta o Dr. Marcolin.

 

Recomendações
Cuidar de doentes de Alzheimer é desgastante. Procurar ajuda com familiares e/ou profissionais pode ser uma medida absolutamente necessária. Algumas medidas podem facilitar a vida dos doentes e de quem cuida deles:

– Fazer o portador de Alzheimer usar uma pulseira, colar ou outro adereço qualquer com dados de identificação (nome, endereço, telefone, etc.) e as palavras “Memória Prejudicada”, porque um dos primeiros sintomas é o paciente perder a noção do lugar onde se encontra;
– Estabelecer uma rotina diária e ajudar o doente a cumpri-la. Espalhar lembretes pela casa (apague a luz, feche a torneira, desligue a TV, etc.) pode ajudá-lo bastante;
– Simplificar a rotina do dia a dia de tal maneira que o paciente possa continuar envolvido com ela;
– Encorajar a pessoa a vestir-se, comer, ir ao banheiro, tomar banho por sua própria conta. Quando não consegue mais tomar banho sozinha, por exemplo, pode ainda atender a orientações simples como: “Tire os sapatos. Tire a camisa, as calças. Agora entre no chuveiro”;
– Limitar suas opções de escolha. Em vez de oferecer vários sabores de sorvete, ofereça apenas dois tipos;
– Certificar-se de que o doente está recebendo uma dieta balanceada e praticando atividades físicas de acordo com suas possibilidades;
– Eliminar o álcool e o cigarro, pois agravam o desgaste mental;
– Estimular o convívio familiar e social do doente;
– Reorganizar a casa afastando objetos e situações que possam representar perigo. Tenha o mesmo cuidado com o paciente de Alzheimer que você tem com crianças;
– Conscientizar-se da evolução progressiva da doença. Habilidades perdidas jamais serão recuperadas;
– Providenciar ajuda profissional e/ou familiar e/ou de amigos, quando o trabalho com o paciente estiver sobrecarregando quem cuida dele.

Reportagem: Felipe Souza / DM