A SEXUALIDADE NA VELHICE: UM TABU A SER DESMISTIFICADO

Muitos idosos pensam e fazem sexo sim! Esta cultura da velhice assexuada não apenas é errônea como ignorante. Cada pessoa é única e possui seus interesses e necessidades sexuais próprias, sendo um reflexo das experiências colhidas durante a vida, cultura, religiosidade e interesse, sem falar nas particularidades orgânicas e emocionais. A longevidade fez com que se vivesse mais tempo saudável e, assim, sexualmente ativos. Porém, há indivíduos que não têm interesse em sexo, assim como há outros que desejam manter sua sexualidade ativa. Não existe um certo e outro errado. Não há regras que devam ser ordenadas ou determinadas para uma adequada sexualidade entre adultos. O que importa é que, para ser realizada, ela deve ser prazerosa e respeitosa para o indivíduo e para o(a) parceiro(a).

A relação sexual genital é apenas uma pequena parte da sexualidade humana. Apesar de mais intensa durante a juventude, devido aos níveis hormonais elevados e condições físicas, ela pode fazer parte da prática da velhice, se o casal tiver interesse para tal, não havendo idade limite. Toques, carícias, envolvimento afetivo, companheirismo, afetividade, fantasias e namoro são situações que contemplam a sexualidade além do intercurso genital.  A felicidade que envolve o sexo vai muito além do intercurso carnal. Com o passar da idade, muitas pessoas exercem uma prática mais que a outra, suprindo suas necessidades sexuais da forma que lhe geram maior satisfação.

Para o exercício dela, além de estar emocionalmente preparado, deve-se estar com a saúde regulada. As doenças crônicas e o uso dos medicamentos podem interferir na libido e no ato sexual. Doenças como diabete melito, hipertensão, infarto prévio, enfisema, insuficiência cardíaca, depressão e artroses podem dificultar uma adequada saúde sexual em função das limitações que podem vir, podendo o indivíduo adaptar sua sexualidade à sua condição física, que forneça o prazer adequado à sua necessidade e capacidade atual.  O local onde ocorrerá a relação deverá ser confortável e agradável para o casal e a posição deve ser cômoda para que não gere dor ou desconforto em outras partes do corpo.

Alguns remédios (como antidepressivos) podem interferir na libido, na capacidade de se ter orgasmo ou favorecer a disfunção erétil, devendo ser substituídos por outros que não têm tal efeito negativo na saúde. Jamais devem ser suspensos sem ordem médica ou por conta própria.

As alterações sociais também interferem na vida dos idosos. Viuvez, divórcio, isolamento social (pandemia do COVID), presença de cuidadores em casa, diminuição da autonomia e liberdade (filhos tendo a chave de casa, impossibilidade de dirigir, restrições físicas ou cognitivas, câmeras de vigilância para supervisão dos filhos à distância, moradores de instituições de longa permanência) agem negatividade na expressão da  intimidade e da sexualidade. Em contrapartida, o maior tempo disponível com o(a) parceiro(a) em casa devido a aposentadoria, ausência dos filhos morando no mesmo domicílio, interações sociais e interpessoais, grupos de terceira idade, bailes e turismo voltado aos idosos podem facilitar os encontros e relacionamentos.

As alterações físicas do envelhecimento também são fatores que afetam a prática sexual. Tanto homens como mulheres podem apresentar lentidão da excitação, retardo da ereção ou da lubrificação vaginal, em comparação com o jovem. A cultura errônea do jovem belo e sexual x idoso feio e assexuado pode atrapalhar a autoestima do idoso e a prática sexual. Indivíduos adultos são sexualmente atrativos independente da faixa etária e da aparência física. No âmbito da sexualidade, a aparência física não é o único determinante para um relacionamento físico e afetivo.

Após a menopausa, a mulher possui atrofia e menor lubrificação vaginal, o que pode gerar dor, desconforto e repulsa para a atividade de penetração, sendo minimizados com terapêuticas adequadas, como géis hormonais ou lubrificantes, devendo ser prescritos de forma individual por médico. Além disto, a diminuição da libido e a dificuldade em ter orgasmo é mais comum com o envelhecimento, fazendo com que muitas senhoras não sintam necessidade de ter relações sexuais, substituindo-as por outras formas de sexualidade. Já o homem pode apresentar diminuição da libido, disfunção erétil, ausência de orgasmo ou diminuição do volume ejaculatório, situações que podem afetar seu bem-estar diante da sua própria sexualidade. Situações estas podem ter tratamentos específicos eficazes, devendo ser prescrito individualmente por médico.

Na atualidade há inúmeros recursos para melhorar as situações que afetam negativamente a sexualidade humana. Psicoterapias para os distúrbios de ordem emocional são válidos a qualquer época da vida, independentemente da idade. Dialogar sobre a sexualidade com o parceiro, dizer o que gosta ou não precisam fazer parte da rotina dos casais. Cada um conhece o seu corpo, mas não é fácil descobrir o que satisfaz o outro e não podemos colocar a responsabilidade que o outro tenha a obrigação de saber o que nos satisfaz. Muitos casais que já estão unidos há décadas podem não saber o que o(a) companheiro(a) gosta, assim como podem não ter expressado situações que possam melhorar seu prazer. Além disto, a falta de diálogo em dizer o que não gosta também é importante, pois para muitos casais, a preocupação com a satisfação do(a) parceiro(a) em detrimento da sua gerou práticas sexuais não prazerosas, tornando a intimidade um fardo. Muitos idosos desta geração foram jovens que tiveram a sexualidade reprimida por educação rígida e normas ditas como proibidas, tornando-os frígidos.

Desde o surgimento do sildenafila  (Viagra®)  e depois dos demais remédios para o tratamento da disfunção erétil, a sexualidade foi mais abordada, principalmente entre os indivíduos mais velhos, que é a população que mais enfrenta este problema. Muitos mitos e inverdades vieram com ele e os demais desta classe, e cabe aqui algumas informações. Eles não geram problemas cardíacos (ele até pode ser usado, sob prescrição médica, para tratar diversos problemas cardíacos). O que não pode é serem usados em pacientes que fazem uso de determinados remédios para o coração (nitratos) por potencializarem o efeito deles nas artérias coronárias ou em pessoas que, independentemente da ereção, não possuem condições cardíacas ou físicas para terem relações sexuais. Devem ser usados após uma avaliação e prescrição médica. Jamais por automedicação! O que faz muitas pessoas terem problemas com o uso é o seu mau uso! Não é porque terão uma ereção mais prolongada que estão com condições físicas adequadas de terem relações sexuais com intensidade física maior que a determinada pelo próprio corpo. Eu sempre digo para os indivíduos: “Ao usar tal remédio, tenha relações sexuais compatíveis com todo o seu corpo, não só com sua ereção.” A relação sexual não deixa de ser uma atividade física que pode gerar sobrecargas e exaustão. Há efeitos colaterais que podem também prejudicar seus benefícios. E não têm função em melhorar a libido ou o desejo sexual, apenas auxiliam na melhora da circulação sanguínea ao pênis a partir do estímulo sexual.

Uso de hormônios e géis intravaginais podem ser utilizados para a manutenção da lubrificação vaginal e evitar atrofia da mucosa. Devem ser prescritos sob supervisão médica. O uso de reposição hormonal na mulher não deve ser determinado apenas em função da sexualidade, mas devido a outros fatores que possam trazer benefícios e cujos riscos sejam menores. Há diversas possibilidades terapêuticas, indicadas para cada situação individual.

Ao falarmos de saúde sexual, não podemos deixar de dialogar sobre as doenças sexualmente transmissíveis. A AIDS chegou há cerca de trinta e tantos anos, colocando o uso do preservativo como determinante das relações, apesar de já existirem DST há séculos. Muitas DST não são visíveis aos olhos, podem não apresentar sintomas significativos e, mesmo assim, serem transmitidas. Não é possível identificar pessoas portadoras de DST apenas olhando para elas e não se deve se expor ao risco de contrair ou transmitir alguma doença a partir do diálogo do outro de que “é saudável e confiável”. O uso do preservativo é mandatório, principalmente em relações extraconjugais ou ocasionais. Não se deve ceder a solicitações e insistências do não uso da camisinha. Ela tem que ser obrigatória! Tanto homens como mulheres devem saber manuseá-las e terem a sua disposição caso o parceiro não a possua.  Um indivíduo pode ser contaminado por germes que causam estas infecções não apenas com o contato dos genitais, mas do genital com a boca e também com o genital com o ânus. Está sendo cada vez mais frequente o câncer de boca e esôfago devido a prática de sexo oral sem preservativo devido ao vírus do HPV (condiloma), assim como sífilis, herpes, transmissão do vírus HIV (AIDS) entre outros. Tanto homens como mulheres são suscetíveis, independentemente da idade.

Para terminar, um assunto que cabe muito a ressalva é a segurança do indivíduo. Não é infrequente casos de violências que envolvem o sexo com idosos, que vão desde estupros a furtos, agressão física e chantagens. Pelo fato da cultura da velhice assexuada e de que sexo na terceira idade pode ser considerado imoral, idosos têm menor índice de denúncias, sentindo vergonha de terem sofrido tais males, o que acaba perpetuando os crimes. Por isto a importância de sempre ter segurança com quem estiver se relacionando, principalmente se for alguma pessoa que se conhece a pouco tempo. Deve-se ter muito cuidado em fornecer cartões de crédito, senhas, cheques, assinar papéis ou compartilhar bens com parceiros(as).  Em hipótese alguma deixe-se filmar ou ser fotografado durante relações sexuais, pois são armas fáceis para chantagens e extorsões financeiras.

Assim sendo, a sexualidade na velhice não deve ser mais um tabu, já que é fato existente e presente na vida do indivíduo. Respeito ao outro e ao próprio corpo, assim como aos desejos que cada um tem, através do diálogo e da autopreservação, farão com que todos exerçam a sua sexualidade de forma  segura, além de saudável física e emocionalmente.